A actuação de agentes da Casa Militar da Presidência da República, um comando especial das forças de defesa e segurança, responsável pela protecção do presidente da República, pode estar por detrás da tragédia de Nampula, que causou a morte de pelo menos 10 pessoas e aproximadamente 100 ficaram feridas.
O incidente aconteceu no dia 11 de Setembro no Estádio 25 de Junho, em Nampula. Um reduto com capacidade de acolher 5 mil pessoas, mas que, de acordo com os presentes, tinha muito mais pessoas. O candidato da Frelimo à sua própria sucessão na presidência da República, Filipe Nyusi, havia acabado de sair do Estádio quando milhares de pessoas tentaram sair ao mesmo tempo e usando um único portão aberto. Alguns caíram e foram pisoteados até à morte. Outros morreram no hospital e dezenas contraíram ferimentos. Nenhuma televisão mostrou o momento do incidente e nem há imagens nos smartphones a circular nas redes sociais, como seria de se esperar. Afinal o que causou esta tragédia?
Nos quatro dias que seguiram ao incidente, o Boletim investigou o caso, conversando com pessoas presentes no evento, incluindo jornalistas e agentes da Polícia, e traz novos elementos sobre o incidente.
Milhares de pessoas foram mantidas no estádio, durante longas horas, sem permissão para sair. O comício de Filipe Nyusi estava acompanhado de espectáculo musical gratuito. Milhares de pessoas locais e outras trazidas dos distritos da província de Nampula estavam no local para receber Filipe Nyusi na cidade onde a última vez que a Frelimo ganhou foi há 11 anos. A Frelimo perdeu as eleições autárquicas em 2013, tendo ganho o MDM. Em 2017 houve eleição autárquica intercalar e ganhou o candidato da Renamo. Em 2018 voltou a ganhar o candidato da Renamo nas eleições autárquicas.
Diferentemente dos demais candidatos presidenciais cuja segurança em campanha é garantida pela Polícia da República de Moçambique (PRM), na campanha de Filipe Nyusi, a segurança está ao cargo de agentes da Casa Militar.
“É função da Casa Militar proteger os locais ocupados, permanentemente ou a título provisório, pelo Chefe de Estado, incluindo regulamentar e controlar o acesso às zonas ocupadas pelo Presidente da República”, conforme refere a presidência da República.
Os agentes da casa militar, dirigidos pelo próprio Chefe da Casa Militar, General Joaquim Mangrasse, bloquearam os três portões existentes no estádio, não permitindo a entrada e saída de pessoas desde o período em que Filipe Nyusi entrou.
O discurso de Nyusi estava previsto para às 15 horas. A partir destas horas ninguém mais podia sair do local. Mas Nyusi chegou com atraso de cerca de meia hora. Discursou até perto de 17 horas. Enquanto Nyusi falava, milhares de pessoas foram tentando sair do local, incluindo jornalistas. A segurança da Casa Militar não deixou que as pessoas saíssem.
“Eu próprio quis sair e fui impedido. Acabei saindo pela porta pequena pois estava acima da hora do fecho”, contou um jornalista ao Boletim.
As pessoas foram se aglomerando perto do único portão que esteve aberto durante o dia, mas não foram permitidos a sair. Assim que Filipe Nyusi e a sua comitiva abandonaram o local, as pessoas já há muito aborrecidas de permanecer no recinto, quiseram sair ao mesmo tempo, gerando-se a confusão.
À altura da tragédia, os jornalistas da comitiva da campanha de Nyusi e grande parte dos agentes da Casa Militar já haviam saído do local. Quando a notícia do incidente começou a se espalhar pela cidade, os jornalistas correram para o Hospital Central de Nampula para tentar captar imagens de feridos que iam dando a entrada, mas de novo os agentes da Casa Militar entraram em acção e impediram os jornalistas de realizar o seu trabalho.
Pelo menos quatro jornalistas foram agredidos e impedidos de captar imagens. Os que já haviam captado algumas imagens foram obrigados a apagar sob ameaças de torturas por homens empunhando armas de fogo.
“Eufrásio Gilberto, operador de câmara da HAQ TV (uma televisão islâmica local), foi ameaçado com uma arma de fogo do tipo pistola quando era forçado a entregar a máquina. Leonardo Gimo, da TV Sucesso, foi forçado a apagar todas as imagens que tinha conseguido captar”, contou-nos um jornalista que presenciou a cena no HCN. Um operador câmara da STV, uma das maiores televisões nacionais, também terá sido vítima da operação dos agentes da Casa Militar.
Suspensão duvidosa do Comandante Provincial da PRM
Após o incidente, foi anunciada a criação de uma Comissão de Inquérito para investigar o caso e o Ministro do Interior, Basílio Monteiro, tomou como medida imediata: suspender o Comandante Provincial da Polícia, Joaquim Sive, em conexão com as falhas de segurança no evento.
No entanto, a segurança do local do evento onde ocorreu a tragédia não estava sob direcção da Polícia. É a Casa Militar que vela pela segurança do Presidente que apesar de estar em campanha, mantém as funções e por isso goza de todos os privilégios que lhe são conferidas por Lei.
“Os efectivos da Casa Militar provêm essencialmente das forças armadas e das forças policiais, em regime de destacamento. Durante o tempo de destacamento, os efectivos ficam totalmente subordinados à Direcção da Casa Militar”, refere a Presidência.
Nestes termos, a responsabilidade da segurança do local do incidente não é, em primeiro lugar, da Polícia. A suspensão do Comandante Sive, a quem o jornal local Ikweli, classificou de “vítima”, parece que serviu mais para distrair a atenção à segurança do Presidente da República.
Basílio Monteiro agiu na qualidade de Ministro do Interior para suspender o comandante provincial da Polícia, mas ele é também parte interessada no caso. Monteiro esteve em Nampula no local do incidente a acompanhar Filipe Nyusi em Campanha. Basílio Monteiro integra a campanha de Nyusi enquanto membro da Brigada central da Frelimo que assiste a província da Zambézia.
Marcha nacional por Cabo Delgado e um minuto de silêncio por Nampula
No dia a seguir ao incidente, Filipe Nyusi subiu helicóptero para Mogovolas, onde foi prosseguir com a campanha eleitoral. O distrito de Mogovolas dista a pouco mais de 100 quilómetros de Nampula, em direcção à costa sul da província. As vias de acesso são tão precárias que só por meios aéreos se pode chegar rapidamente. No primeiro comício em Mogovolas, após o incidente fatal, Nyusi pediu um minuto de silêncio pelas vítimas de Nampula. Anunciou que não iria realizar concertos em sua campanha até o enterro dos que morreram no incidente.
Sem anúncio público, a Frelimo decidiu também realizar, em todo o país, “Marcha de repúdio aos ataques de Cabo Delgado”. Cartazes da marcha são ilustradas com imagem de Filipe Nyusi em primeiro plano acompanhado de multidão de simpatizantes da Frelimo num ambiente festivo e não de pesar e dor. Os ataques de Cabo Delgado ocorrem desde Outubro de 2017 e não há memória de se ter organizado marcha desta envergadura em repúdio. Ao que tudo indica, a marcha é mais uma ordem para fazer esquecer a tragédia de Nampula, que pode ter resultado da irresponsabilidade de agentes de Segurança da Casa Militar.
CNE: “Olhamos com muita apreensão os próximos 28 dias”
“Olhamos com muita apreensão os próximos vinte e oito dias”, disse a Comissão Nacional de Eleições ontem aos mandatários dos partidos. O órgão citou casos de mortes em acidentes de viação envolvendo caravanas de partidos causados por condutores embriagados, destruição de panfletos, uso de crianças na campanha e violência. “Devemos parar com o envolvimento de crianças nas campanhas eleitorais, com o incitamento delas à violência, à sabotagem e destruição dos materiais e/ou do trabalho de outrem e evitarmos que elas assistam cenas de violências entre participantes das campanhas vestidos de cores diferentes”.
Tratou-se de uma declaração forte numa campanha que tem sido mais agressiva e violenta em relação às eleições anteriores.
Na sua exortação final, a CNE disse: “Precisamos conduzir os membros das caravanas com responsabilidade para evitar perdas de vidas humanas nas vias públicas e devemos evitar o consumo de álcool ao volante”, tendo apelado a polícia para deter os condutores embriagados.
“Em casos de detenção de alguns membros ou simpatizantes, evitar aglomerações defronte das unidades policiais para exigir a sua libertação,” apelou o órgão.
A CNE exortou, ainda, que os partidos deixassem de fazer uso de viaturas do Estado para efeitos de campanha, ocultando suas respectivas chapas de matrículas: “Os chefes das caravanas devem verificar as medidas de segurança rodoviária e evitar ocultação das chapas de matrículas nas viaturas e motociclos com material de propaganda eleitoral.”
Nampula começa a emitir credenciais aos observadores
Entre os dias 10 e 11de Setembro, a Comissão Provincial de Eleições (CPE) de Nampula emitiu 11 credenciais para os observadores deste Boletim, um número ainda não satisfatório visto haver ainda dezenas de observadores sem credenciais naquele ponto do país.
A emissão de credenciais plastificados em Nampula ocorre depois de muita reclamação e insistência vindas das Organizações da Sociedade Civil (OCS) dirigidas à CPE que alegava problemas técnicos para a impressão dos mesmos.
Infelizmente, o mesmo não tem acontecido na província de Zambézia, onde observadores das OSCs ainda não foram credenciados e a CPE local se remete a um silêncio ensurdecedor.
Cartões de eleitor por donativos do IDAI
Pedro Matenguere, delegado político da Renamo na localidade de Marera, distrito de Macate, denunciou, ainda, na passada quinta-feira que as estruturas locais recolhem cartões de eleitor da população para fins não claros alegando estarem a registar os residentes na base do cartão de eleitor.
“Quem recusar entregar cartão é ameaçado de não receber donativos destinados às vítimas do Ciclone IDAI”, disse Matenguera.
Ainda no distrito de Mecate, Manica, a Renamo suspendeu a campanha por falta de material de propaganda alegando que este foi destruído pela Frelimo. Segundo, Pedro Matenguere, o material recebido nos primeiros dias do processo da caça ao voto, foi vandalizado por supostos membros da Frelimo à mando do primeiro secretário local, José Viagem.