A inflação do número de eleitores inscritos na província de Gaza poderá ser usada pelos órgãos de gestão eleitoral para ocultar o enchimento de urnas, que constitui uma fraude. Uma análise simples das assembleias de voto aquando das eleições de 2014, mostra que pelo menos 157 mesas de voto – 16% de todas as assembleias de Gaza – estiveram envolvidas na prática de enchimento de urnas na eleição presidencial.
Em 2014, a média de afluência às urnas, em todo o país, foi de 49% dos eleitores inscritos. Estranhamente, a província de Gaza esteve acima da média nacional, tendo registado uma afluência de 66%. Isto significa que um número maior de eleitores votou na província de Gaza e, sendo esta bastião da Frelimo, conferiu uma vantagem natural a favor partido no poder. Entretanto, a Frelimo também se beneficiou do enchimento de urnas. Numa eleição presidencial onde todos os votos são agregados, os números acima apresentados contam muito para os resultados finais.
Em 53 assembleias de voto houve mais votos em relação ao número de eleitores inscritos. Nestes postos 100% dos votos foram a favor do candidato do partido Frelimo, Filipe Nyusi. Em Gaza, as fraudes ocorreram, particularmente, nos distritos mais à norte da província onde, geralmente, não tem havido observadores nem fiscais dos partidos da oposição. A título de exemplo, no distrito de Massangena, houve enchimento de urnas em 25 das 27 mesas. O mesmo repetiu-se em distritos como Massingir em 23 das 30 mesas de voto (incluindo duas onde havia observadores e estiveram incluídas na contagem paralela dos votos) e Chicualacuala em 26 das 42 mesas. Em Gaza, a prática de enchimento de urnas nem sempre significa a simples colocação de boletins de voto extras mas, também o aumento do número de votos a favor do partido Frelimo quando se faz o registo da contagem nos editais.
O Boletim fez dois testes estatísticos para analisar a prática do enchimento de urnas. Primeiro olhou para os níveis de afluência estranhamente altos. Sendo que a província de Gaza tinha 1024 mesas de voto em 2014, calculou-se os níveis de afluência para cada uma – as percentagens dos eleitores recenseados que foram votar. Estas foram, depois, agrupadas em escalas ou faixas de 1%, conforme ilustra o gráfico abaixo. O número mais elevado de mesas de voto foi 41 com uma afluência de 67% dos eleitores – como mostra a barra mais alta no centro do gráfico. Acontecimentos como a votação obedecem ao que os estatísticos chamam de “distribuição normal” ou curva do sino. Isto é ilustrado, no gráfico, pela linha vermelha, a qual sugere que a votação e o apuramento foram normais na maioria das assembleias de voto.
Numa distribuição normal, o número de mesas de voto tende a cair para a esquerda e para a direita – poucos e mais eleitores. Mas este gráfico mostra um salto surpreendente nas assembleias de voto, apresentando uma afluência de 90%. Existe um segundo pico a nível de 26 mesas de voto, ambas com uma afluência de 96% dos eleitores registados. Há ainda 53 postos com uma afluência acima de 100% dos eleitores que tendo se registado, votaram. Na prática, isto é simplesmente impossível. Pessoas morrem ou adoecem, ou mesmo saem do seu local habitual de residência.
O gráfico de barras e a distribuição normal separa até 90%. Assim sendo, consideramos que qualquer assembleia de voto que tenha um nível de afluência acima de 90% foi viciada pelo enchimento de urnas. Se, por hipótese, corrigirmos aquelas 157 assembleias de voto permitindo que tenham apenas uma média de afluência de 66%, o candidato da Frelimo, Filipe Nyusi, perderia imediatamente 15 340 votos de que se havia beneficiado por meio de enchimento de urnas.
Outra verificação mostra que há implicações mais amplas. Algumas vezes os membros da assembleia de voto, apressados para apurar os votos e regressar para suas casas, fazem o enchimento de urnas apenas para a eleição do Presidente, mas não para a dos membros Assembleia da República (AR). Pelo menos 23 assembleias de voto mostram claramente que a maioria dos eleitores votou para o Presidente em relação aos membros da AR. O caso mais extremo ocorreu numa assembleia de voto instalada na Escola Primária Julius Nyerere em Xai-Xai onde aparentemente 77 eleitores votaram para o presidente e não para membros da AR. Se retirarmos 595 votos extras das urnas, descobriremos que o número total dos votos para o Presidente Nyusi em 2014 foi inflacionado por, pelo menos, 15 935.
A importância destas 180 assembleias de voto (16% do total) é que estas foram as únicas que fizeram o seu enchimento de uma forma negligente – colocando muitos mais votos nos editais, sem fazer alterações em todas as três eleições. Se houvesse um pouco mais de cuidado, aquelas assembleias de voto poderiam ter sido escondidas e não seriam reveladas. Isto indica que muitos membros das assembleias de voto preencheram de forma deliberada o total de eleitores inscritos através do enchimento de urnas. Este dado sugere ainda que uma parte significante da afluência de 66% de eleitores registada em 2014 pode ter sido forjada por meio de votos falsos. O cenário descrito suscita, por sua vez, alguns questionamentos sobre as eleições em curso neste ano. Quanto maior o número de eleitores inscritos, maior será a probabilidade de cobertura para níveis consideráveis de enchimento de urnas, se feito com cuidado.
Quando olhamos para os resultados presidenciais, as 23 assembleias de voto não pareciam diferentes em relação às outras; a diferença surge quando comparamos com a eleição para a Assembleia da República, a qual revelou claramente ter havido fraude. Em muitas outras também terá havido fraude, mas com muito cuidado. Apenas os observadores e os fiscais dos partidos políticos é que podem evitar que as fraudes ocorram. Durante o apuramento nas assembleias de voto, os resultados são anotados no quadro de uma sala de aulas ou no papel. Os observadores devem verificar para ver se os números que são escritos correspondem àqueles do edital.
A verificação das estatísticas mostra o que é possível e que pelo menos 16% das assembleias de voto da província de Gaza cometeram fraude – e ninguém denunciou. O Boletim apurou que observadores da sociedade civil estiveram, pelo menos, em duas assembleias de voto e reportaram apenas que havia números inflacionados, mas não questionaram as razões. Será que não terão notado a diferença entre a contagem dos boletins de voto e o que estava escrito no edital?
Há um enorme perigo de fraude nas eleições de 15 de Outubro. Isto pode ser evitado apenas se os observadores realmente monitorarem o processo.